querida,

que inverno inconstante vivemos. nos esforçamos para adaptar hábitos, mas as frutas da estação  me fazem lembrar. não oblíquo nem uma fruta da estação, que dirá dessa ordem de fazer me esquecer de ti em prol do ganha pão.

os semáforos me fazem lembrar de teus olhos. ou vice-versa. não sei se te vejo pela cidade ou se me observas nas paradas dos coletivos. mesmo no inverno, fujo do lado dos bancos ensolarados para que não me reparta o rosto.

tu compreendes melhor: mesmo que o ponto final esteja próximo; deixar-se em banho solar no inverno é um afago.

tu procuras eu te encontrei.

A casa de Valesca

presto atenção em você andando pelos cômodos.
no desapego dos chinelos para calor nos azulejos.
as paredes do banheiro afagam os longos banhos quentes.
lhe protejo das chuvas da cidade
e você aromatiza a cozinha com suas sopas.

te ofereço um chá doce para curar as mazelas lá de fora.
um bocado de sol entrando… faça-me cortinas
para acomodar a luz que esperamos.
deixe as portas semi-abertas para que a música suave
transpasse e se confunda com o ritmo de meu coração.

e se a saudade apertar muito,
pendure lembranças nas paredes,
do seu amor,
da família, dos amigos…
para que a memória faça um sorriso
na janela que é seu rosto.

Sou seu canto, seu lar, sou feito dessas coisas que você me traz:
cheiros,
lembranças,
livros,
temperos
e amigos!
Sou feita de diários invisiveis
assim habitada por quem te ama.

você se aconchega nas suas almofadas,
e me aconchego viva na sua habitação.

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a quatro mãos com Aurea Horbach

matemática

a razão pela qual escrevo se resume a matemática.
às vezes acho que as pessoas querem que escrevamos para dividir.
para dividir suas próprias angustias.
mas gosto de escrever para encontrar
o que vem antes e depois das casas decimais:
uma virgula disfarçada de infinito.

bilhetes

tenho recebido mensagens pontuais. chuvisco de cairo. vem um cheiro de uma época em que eu era dado a guarda-chuvas. extravagantes guarda-chuvas e havia muitas mensagens para que eu preservasse melhor a saúde.

tão rarefeitos estas mensagens de hoje que pensei que pudessem tornar o meu dia diferente. como a surpresa de aniversário diária. mas o que percebo é que pouca coisa faz sentido quando penso naquelas chuvas, pouca coisa me dizem os bilhetes.

sinto um amor profundo cheio de falta de compreensão.

amarrei barbantes no guarda-chuva nos quais colei os bilhetes. para que chovesse para fora as coisas do meu coração esquecido.