:: little ana blues

baby, vista seu melhor vestido e amarre o cabelo.
a vida espera lá fora. balão de ar quente.
sorvete de flocos, naves espaciais, guitarra falante.
licores! seus olhos grandes são feitos de quê?
ah, baby, não temos um puto,
mas e o coração?

e se de noite é mais feliz,
use óculos escuros, faça-se de difícil.
vamos pegar o ônibus para um destino qualquer,
afinal, acreditamos que fazemos nosso próprio.
baby, baby, corte o cabelo e manche o batom.
sou um merda de pessoinha fraca
para felicidades hollywoodianas.

sonhei com você, mas não era sobre você,
bom, não era sobre você até que você aparecesse.
você fazia as sobrancelhas, querida,
as sobrancelhas! e quanto humor eu via em tudo isso…
era porque já estava cheio de ir atrás do que não quero.
queria sonhar mais com você.

baby, cante um blues. evoque quem quiser.
esse seu coração denso precisa de sopros
para virar balão de ar quente. flutue!
depois a gente arranja empregos,
vai perdendo o blues,
e desencana de nós mesmos.

baby, lá no alto, se pedir, eu solto.

:: rocket

um foguete caiu no jardim.
havia planos e computadores para paisagens extraordinárias.
variações de espécimes de flores e frutas.
mas desmontei-me.
fiz vasos e sombras das ferragens,
encanamento e calhas para que as chuvas fossem mais justas.
e continuei com as mesmas rosas que você plantou.

quando elas derem novos brotos,
refaço o foguete e os mando para casa.

:: the very thought of you

bruna, sai do away que eu quero lhe falar. a gente conversava sobre jazz, na verdade, você conversava sobre jazz porque eu não entendo abacate sobre jazz. para mim, só existem dois trompetes no jazz: chet baker e louis armstrong. mas você pode citar um cem números vários, alguns seus contemporâneos como você mesmo diz. mas bruna, quero lhe falar sobre chet baker.

como você sempre me mostrou discos antigos, eu pensava que ele tinha sido apenas menino. essa voz tão serena e pequena nunca me deu a impressão de que ele pudesse ter envelhecido, acabado com o pulmão com cigarros e ter inclinado o trompete tão para o chão. esse vídeo “live at ronnie scott?s” me arrebatou… bruna, sai do away, sua vadia! preciso lhe falar.

e cada sopro na palhete me lembrou o quanto você omitiu sobre chet baker e talvez sobre muitas outras coisas. talvez você tivesse os discos mais atuais, mas não queria mostra. queria conservá-lo menino. entendo vindo de você. mas bruna você sabia que eu descobriria. não me recomendaria esse video assim despropositadamente… e o elvis costello canta “the very thought of you” que só havia ouvido na voz da billie holiday. covardia, vai. sai do away, bruna! que vou lhe falar bulhufas sobre o jazz!!!

o meu jazz.

:: 12 memories

1. o rosto dela na rodoviária;
2. são paulo pela janela do avião;
3. o rio tsurumi se afunilando a caminho do mar;
4. one i love no show do coldplay;
5. no portão do colégio ouvindo pela primeira vez “o teatro dos vampiros” da legião urbana;
6. os olhos dela que não me reconheceu;
7. inspirar profundo para comprar uma guitarra;
8. risadas, muitas;
9. um céu rosa e o engano de que caíam paráquedas;
10. palavras apaixonantes de alguém apaixonado;
11. as putas velhas nas ruas de madrid;
12. o sorriso de uma professora — amiga — ante a minha estúpida revolta.

:: pressa

se você puder esperar, me apronto bem bonito, unha cortadas e cabelos lavados. barba bem feita e perfume que cheira caro. terei lido as notícias do dia e os livros do momento. principais filmes e mostras e as mais tocadas na rádio. aprendo outra língua e melhoro essa. encontro beleza em amores infindáveis e razão nos psicotrópicos. a gripa passa, se você me esperar.

sei que não pode perder tempo, eu também tenho essa sensação de estar perdendo tempo. quando dói o osso parece uma chuva de anos que cae sobre os ombros. nunca senti que me esperavam por bem. quem afinal espera por bem? a gente não espera por ninguém. são sempre os outros que estão atrasados. há muita pressa porque as chuvas são sempre.

pego um táxi depois.

:: deus

no domingo, cyro sentou-se em sua escrivaninha e releu todas as mensagens do icq que fernanda deixou durante a semana. percebeu aos poucos que nas linhas tão sintéticas e cheias de carinhas ponto e vírgula fernanda tentava lhe dizer o quanto amava e que estava sendo difícil. na hora pareceu muito infantil e talvez fosse mesmo. até que no domingo não recebeu mais nenhuma.

cyro pensou na possibilidade de que deus também não tivesse consciência do que estava fazendo até que tudo cessasse no domingo.

:: tarzan (o filho do alfaiate) _ noel rosa

quem foi que disse que eu era forte?
nunca pratiquei esporte, nem conheço futebol…
o meu parceiro sempre foi o travesseiro
e eu passo o ano inteiro sem ver um raio de sol
a minha força bruta reside
em um clássico cabide, já cansado de sofrer
minha armadura é de casimira dura
que me dá musculatura, mas que pesa e faz doer

eu poso pros fotógrafos, e destribuo autógrafos
a todas as pequenas lá da praia de manhã
um argentino disse, me vendo em Copacabana:
‘no hay fuerza sobre-humana que detenga este tarzan’

de lutas não entendo abacate
pois o meu grande alfaiate não faz roupa pra brigar
sou incapaz de machucar uma formiga
não há homem que consiga nos meus músculos pegar
cheguei até a ser contratado
pra subir em um tablado, pra vencer um campeão
nas a empresa, pra evitar assassinato
rasgou logo o meu contrato quando me viu sem roupão.

p.s. genial !

:: terceira pessoa do singular

nas dramaturgias da vida sempre penso no papel que tem a terceira pessoa. normalmente é sempre um vilão e se não for é apenas um coadjuvante. quando ouço as lamentações sobre amores perdidos, penso por que essa terceira pessoa não pode ser encontrada. temos o mito do insubistituível em nossas veias. na certa, nada substituí um grande amor. mas talvez seja o caso de repensar no conceito de grande amor.

conheci três ou quatro pessoas em toda minha vida que estavam realmente abertas a terceiras pessoas. digo isso porque não há passado amoroso que seja esquecido fácil, mas elas estavam atentadas a si e ao mundo. não estavam ansiosas, suas esperanças vinham da idéia de que a vida era muito mais que amar descabidamente: era a possibilidade de ser terceira pessoa também.

lembro-me de antônia que amava tanto josué que desistiu dele e foi para o mundo. conheceu alguém por lá e nunca mais voltou. nunca traiu o amor. e de terceira passou a primeira pessoa.

:: o orvalho vem caindo _ noel rosa e kidi pepe

noel rosa é o cara.

o orvalho vem caindo
vai molhar o meu chapéu
e também vão sumindo
as estrelas lá no céu
tenho passado tão mal
a minha cama é uma folha de jornal

meu cortinado é o vasto céu de anil
e o meu despertador
é o guarda-civil
que o salário ainda não viu

a minha terra dá banana e aipim
meu trabalho é achar
quem descasque por mim
vivo triste mesmo assim

a minha sopa não tem osso nem tem sal
se um dia passo bem,
dois e três passo mal
isto é muito natural

o meu chapéu vai de mal para pior
e o meu terno pertenceu
a um defunto maior
dez tostões no belchior.

vou confessar que não sei sambar as coisas de hoje. mas as coisas do noel sambo todo dia sem saber…

:: lanternas japonesas

minha querida, assim que a noite chega também se aproximam outros medos. os ventos se tornam mais presentes por causa do frio e nossas pupilas dilatadas refratam outros olhos. não sou de ligar luzes poderosas que imitam o dia. prefiro a adaptação, nada que esconda demais a escuridão. luzes indiretas de lanternas japonesas não são deliniadoras, mas são luzes também.

minha querida, sei que as sombras não são tão definidas, mas não tenha medo por agora, segure minha mão. podemos parar de nos definirmos por hoje e acender as luzes elétricas amanhã.

:: o pianista

só agora aos 65 anos, o pianista pode tocar o cancioneiro que lhe provocou a vontade de aprender a tocar. nem a dor nas juntas da mão lhe tira a alegria de tocar numa festa em que as pessoas dançam em volta do piano e ele é só mais um. e não lhe queixam quando erra a nota. o erro é um outro acerto. lá do outro lado do salão há uma menina que ouve pela primeira vez o timbre e a canção. olha para os dedos curtos e imagina até onde eles podem chegar.

:: um frevo que ouvi entre as avenidas e prédios de são paulo

“às cinco horas da manhã
quando vem rompendo a aurora
os anjos cantam lá no céu
e as pastorinhas vão embora.

com saudades eu me retiro
eu não vim para ficar
as moças são deliciosas
belas e formosas, lindas como as rosas”.

o brincante antonio nóbrega

:: valentina

valentina tinha uma incrível maneira de nos assustar: tocávamos o seu peito e sentíamos o coração desacelerar como se fôssemos responsáveis por tal despropósito. brigavamos muito com ela para que não fizesse mais isso. mas era uma de suas simpatias. não havia quem fosse amigo e não tivesse sentido a vida de valentina fugir das mãos. ela dizia que era uma lição.